segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
UM OLHAR MEMORIALÍSTICO SOBRE O TEATRO JOINVILENSE: 1865-1950
(Sandra Pereira)
Joinville é conhecida por ser uma cidade de perfil
industrial e por concentrar, predominantemente, o seu ramo econômico na
indústria metal-mecânica além de outros segmentos. No entanto, o fazer teatral
em Joinville, remonta ao início do século XX com a articulação de grupos musicais , de canto-coral, orquestrais e ligados ao fazer dramatúrgico.
Herkenhoff (1987,
p. 92-93) salienta que
desde muito cedo a colônia
alemã estabelecida em Joinville, já por
volta de 1865, tanto na zona urbana como na área rural, por meio da igreja Luterana e Católica ou de associações de
ginastas ou culturais, valorizava a
música por intermédio
do canto coral.
A música fazia parte da vida das famílias de Joinville. Segundo a pesquisadora Rosenete Marlene Eberhardt Llerena, em sua
dissertação sobre o patrimônio musical Joinvilense[1], há dados que
remontam ao ano de 1900 e que dão testemunho de todo
esse movimento musical
que só crescia e
vinha acrescentado de pequenas orquestras e grupos musicais.
A pesquisadora ampara-se
em Herkenhoff (1989, p. 15) que situa a existência de um meio
artístico na cidade em 1900,
descrevendo o 4.°
centenário do descobrimento
do Brasil, comemorado durante dois dias em nossa cidade
e afirma que “nos dias 3 e 4 de maio de 1900 a comemoração
aconteceu com
extensa programação cultural. Três peças
de teatro foram
apresentadas naqueles dias, duas
peças no idioma alemão e uma em português (grifo nosso), as três seguidas
de bailes. Em 1901, nos festejos de 50 anos de fundação da cidade de Joinville, aconteceu a estreia de três grupos teatrais (grifo nosso), com
considerável público.”
Ainda sobre o crescimento de grupos
teatrais e sociedades culturais naquele início de século, Herkenhoff (1989)
ressalta o grupo da Sociedade
25 de Abril,
que em 1900 apresentou
uma peça teatral
em português (grifo nosso),
com muito sucesso. Outros grupos se destacaram usando o idioma da
terra.
João Graxa Gonçalves, um dos músicos
que se destacaram na cidade também atuou nos bastidores do teatro joinvilense. Herkenhoff
(1989, p. 16) o descreve como “maestro que desempenhou importante
papel e direção
em várias peças
teatrais”. Além
de ter sido
“grande incentivador do teatro falado
em português”, compôs textos musicais para várias peças teatrais.
Outro nome que merece ser citado é o de Inácio
Bastos, chefe da
estação telegráfica de
Joinville, poeta e autor de
várias peças teatrais.
O livro “História
de Joinville”, de Carlos Ficker (2008),
traz muitos relatos sobre a vida e o desenvolvimento da cidade de Joinville por
volta de 1904 e 1906 que contribuem para assinalar as primeiras produções
teatrais compostas e encenadas em Joinville. Porém, nas duas primeiras
décadas do século
XX ocorreu o primeiro
grande abalo na
estrutura psicossocial, por
fatos relacionados com
a Primeira Grande
Guerra Mundial. Abalos
não sentidos em
âmbito econômico, e
sim incidentes em
suas atividades culturais
e formas de
repressão relacionadas às
questões étnicas, conforme Herkenhoff (1987).
Segundo
Coelho (2005), os imigrantes alemães estariam longe de constituírem
maioria numérica, porém,
pela construção e
preservação de sua
identidade étnica, se destacaram
no processo de colonização e integração
ao meio nacional. No fim
da década de
1930 uma mescla
de valores nacionalistas
e autoritários movia o Estado Novo sob ordem do Presidente
da República Federativa do
Brasil. Getúlio Vargas
iniciou no ano
de 1938 a chamada
“grande obra de nacionalização”,
que tinha como função principal suprimir qualquer atividade política de estrangeiros imigrantes no Brasil.
Os grupos de canto-coral e de teatro que se formavam,
muitos deles, dentro das escolas, passam a sofrer os efeitos da nacionalização
imposta por Getúlio Vargas, presidente do Brasil por dois mandatos. Coelho
(2005) enfatiza ainda
que no estado
de Santa Catarina
a nacionalização adquiriu formas diferenciadas, dirigidas enfaticamente
aos imigrantes descendentes de origem
alemã, o
que culminou numa combinação de esforços por parte do
governo, de ações
militares, com a
firme intenção de
“abrasileirar os brasileiros”.
Até 1930 o
idioma alemão era
o cotidiano na
cidade de Joinville,
em todos os modos de
relações. Para Ternes (1984), tal fato decorria da falta de oferta por parte
dos governos, até
então, de escolas
e outras formas
de auxílio aos imigrantes que
viviam conforme a
bagagem de conhecimentos
que trouxeram da
Europa.
Segundo Ternes (1984),
as medidas da
nacionalização forçaram o fechamento
de todas as escolas que ensinavam em idioma alemão, o que acabou por
provocar falta de vagas em escolas públicas aos alunos egressos das escolas particulares.
“O governo não criou escolas públicas suplementares”; principalmente em áreas rurais da cidade faltavam
professores, o que resultou em queda na qualidade no ensino. Das 661 escolas que atuavam nas
regiões de imigração alemã em 1937, sobraram 113 em
1938 e
em 1939 o número
de escolas era 69. Logo,
não havia vagas nas escolas
públicas para todas
as crianças em
idade escolar, assim
a obrigatoriedade de uso do idioma português nas atividades
escolares teve o reflexo de “emudecer”
a maior parte
das crianças e
dos professores que
tinha como primeira
língua o alemão,
causando graves problemas
pedagógicos. As medidas
tomadas pela nacionalização geraram
reflexos imediatos na
comunidade dos imigrantes
alemães, que não
foram absorvidos na sua totalidade
pelas escolas públicas existentes nesse período. Portanto, o desmonte da comunidade
artística foi
e da estrutura escolar estão associados e, como consequência, houve o desmantelamento
de várias grupos de canto-coral e de teatro que haviam surgido dentro das
escolas. Quando em pleno funcionamento, a Escola Alemã, era conhecida por
ensinar e promover o canto-coral, chegando a formar cantores que iriam compor
outros corais locais.
Partindo da
premisssa de que quanto mais cedo um cidadão for exposto à fruição de um bem
cultural e/ou ao ensino de uma arte mais chances terá de ser uma pessoal
completa, tem-se a escola como espaço essencial à formação artística e
oportunidade de assimilações estéticas variadas. Assim sendo, a forte pressão
imposta pelos ideais nacionalistas e o consequente fechamento das escolas
implicaram numa visão reducionista acerca da fruição de
bens culturais até
então circulantes.
Encerrava-se um
ciclo produtivo nas apresentações teatrais musicadas e faladas e nas quatro décadas
seguintes a produção cultural desenvolvida em
Joinville ficou restrita a algumas festas
de igreja, aos bailes de salão nos finais de semana (que persistem até os dias
atuais), à Festa das Flores, aos jogos de futebol, à fruição do acervo dos museus, aos cinemas e eventuais
exposições de artes plásticas.
Da época getulista até os idos de 1970, a cidade ressente-se
da ausência de espetáculos produzidos em
Joinville apesar da potencialização da expansão industrial que ocorria na
cidade.
“[...] da década de 1970 para
cá a população de Joinville cresceu de 150 mil habitantes para pouco além dos
500 mil atuais. A área urbana ampliou-se
em vários quilômetros,
surgindo na geografia
da cidade novos e populosos
bairros. O perímetro urbano, de uma extremidade a outra,
varia em torno
de 25 km. Novas três
Joinvilles foram agregadas à
cidade de 1973. A frota de veículos automotores saltou de 19 mil para os atuais
250 mil. Em 1966 a frota não chegava a 5.140 mil veículos
motorizados. O número
oficial de ruas
e avenidas cresceu de 1.200, em
1974, para 4.129 hoje, o que, somando a
becos e servidões, eleva a mais de 5 mil as ruas na cidade. “ (TERNES, 2010:
332)
A despeito desse perceptível desenvolvimento industrial, não
existia, contudo, produção teatral na cidade, salvo uma ou outra iniciativa
isoladas, notadamente nas décadas de 70 e 80, que não apresentaram continuidade,
gerando um novo hiato da oferta desse bem. Nesse cenário contudo, o teatro da
Sociedade Harmonia Lyra continuava, vez por outra, a trazer shows musicais e ao final da década de
80 e início da década seguinte, recomeçou a trazer peças teatrais com artistas renomados, vindos
dos grandes centros culturais do país (eixo Rio-São Paulo).
Ainda sobre a década de 80, vale ressaltar que a cidade
continuou a progredir no ramo industrial e também em outros segmentos o que
propiciou uma diversidade econômica que trouxe em seu bôjo oportunidades de
negócios para os setores ligados ao comércio, à saúde, ao turismo executivo
notadamente, ao lazer e à cultura em termos de festas populares, abertura de
salas de cinema em shoppings e exposições de artes plásticas. Segundo Ternes
(2010: 333) “A globalização
mudou o cenário econômico de
Joinville nas últimas
décadas [...]” e
novos negócios surgiram como fábricas de equipamentos para
ginástica, produtoras de softwares,
modernização tecnológica, gestão empresarial informatizada e um número
expressivo de abertura de pequenas
e médias empresas
fomentando o crescimento
econômico local.
No entanto, somente
a partir de 1997 o cardápio cultural será ampliado com uma maior articulação na área teatral. É nessa fase que a
cidade passa a contar com a retomada de uma produção local mais constante devido a chegada de alguns
diretores de teatro vindos de outras cidades. Deixava-se de encenar espetáculos
apenas trazidos pelos grupos teatrais de outros pólos para reativar a produção
local feita por diretores, escritores e
atores que residiam em Joinville. Ressalte-se o papel da UNIVILLE-Universidade
da Região de Joinville que passou a contar com um grupo de teatro na década de
90 o que ajudou a fomentar a produção local ao lado de outros nomes.
Face ao poder do teatro em operar uma leitura do social e do nosso
entorno; de possiblitar a percepção de uma verdade sob vários ângulos treinando
nosso olhar e aguçando nosso senso crítico sobre temas variados (BOAL: 1991) é que considera-se fundamental a inserção da
oferta do teatro como bem cultural à uma
população marcadamente imersa num cotidiano de ferro e aço, pouco ou nada exposta à fruição desse produto
cultural, como forma de ampliar sua visão sobre seu próprio entorno e
possibilitar reflexões para além do mesmo.
Assim, considera-se relevante um registro acerca da evolução do
teatro em nossa cidade sob a forma de um olhar memorialístico, inicialmente
sobre a produção teatral feita em Joinville, por pessoas aqui residentes, no período 1865 -1950 e que pode tornar-se
viável a partir de pesquisas bibliográficas, documentais, webgráficas que
possibilitará recuperar registros que ajudem a contar acerca da produção
teatral local daquelas décadas.
A pesquisa bibliográfica e documental, além de contribuir
para a recontar o teatro que se fazia naquelas épocas, também servirá para
aguçar nosso olhar sobre as relações sociais subjacentes a esse movimento
cultural, bem como, ajudará a compreender as relações de poder implícitas em
tais relações.
Outra
justificativa ao trabalho que ora se empreende é o fato de que o teatro é uma ferramenta para questionar o mundo, pois tematiza problemas do cotidiano e do entorno do
cidadão, conclamando-o à reflexão, à mudança de posturas e tomada de decisão, à
quebra de paradigmas, à reconstrução de um novo cenário social, melhor ou
inteiramente novo o que significa aprender a fazer a política no cotidiano de
nossas ações “pois todo o teatro é necessariamente político, porque políticas
são todas as atividades do homem, e o teatro é uma delas. Afinal, o teatro é transformação, movimento,
e não simples apresentação do que
existe. É tornar-se e não ser.” (BOAL: 1991). Nesse sentido,
entendemos que ao registrar a evolução do teatro em Joinville será possível
perceber a crescente oferta desse bem cultural como uma intervenção positiva no
dia a dia da cidade, uma mudança nos hábitos de consumir cultura e, portanto,
uma transformação social em função de um cardápio cultural reconfigurado.
A investigação sobre as representações teatrais
em Joinville, nas décadas de 1865 à 1950, sustentada por conceitos de cultura,
patrimônio, identidade, memória, arte e diferentes concepções de teatro, a
partir da análise de múltiplas vozes, permite perceber como a cidade foi receptora
e produtora da arte teatral.
REFERÊNCIAS:
BOAL,
Augusto. Teatro do oprimido e outras
poéticas políticas. 6ª
.
Rio de Janeiro: CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, 1991.
BRASIL. MINISTÈRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE
EDUCAÇÃO BÁSICA. Parâmetros curriculares
nacionais: Arte. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental:
Brasília (DF), 1997 v.VI.
COELHO,
Ilanil. É proibido
ser alemão: é
tempo de abrasileirar-se. In: GUEDES,
Sandra P. L.
de Camargo (Org.).
Histórias de (i)migrantes:
o cotidiano de uma cidade. Joinville: Editora Univille, 1998.
______ . É proibido ser alemão: é tempo de
abrasileirar-se. In: GUEDES, Sandra
P. L. de Camargo (Org.). Histórias de
(i)migrantes: o cotidiano de uma cidade. 2. ed. rev. e atual. Joinville: Editora Univille,
2005.
______ .
Pelas tramas de
uma cidade migrante
(Joinville): 1980-2010. Tese (Doutorado em
História)–Universidade
Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2010.
FICKER,
Carlos. História de Joinville. Crônica
da Colônia Dona Francisca. 3. ed. Joinville:
Letradágua, 2008.
HALBWACHS,
M. A Memória coletiva. Trad. de Laurent Léon Schaffter. São
Paulo, Vértice/Revista dos Tribunais, 1990. Tradução de: La mémoire collective.
HERKENHOFF, Elly. Era uma vez
um simples caminho... Fragmentos da
história de Joinville. Joinville:
Fundação Cultural, 1987.
______. Joinville nosso teatro
amador (1858-1938). Joinville: AHJ, 1989.
LE GOFF, Jacques. História e
memória. 2
ª. São Paulo: UNICAMP, 1992.
MAFFESOLI, Michel. Elogio da
razão sensível. 3ª. Petrópolis:
VOZES, 2005.
MAFFESOLI, Michel. Saturações.
1ª. São Paulo: ILUMINURAS, 2010.
MINAYO, Maria Cecília de S. e
SANCHES, Odécio. Quantitativo-qualitativo: oposição ou complementaridade?
Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.9, n.3, jul/set. 1993.
MICHALSKI, Yan.
Augusto Boal. In: ______. Pequena enciclopédia do teatro brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro, 1989. Material inédito, elaborado em
projeto para o CNPq
TERNES.
Apolinário. Tempos modernos:
a presença dos
italianos em Joinville
– 1973-2008. Joinville: Editora Univille, 2010.
Sites consultados:
Página na internet sobre a Lei
Rouanet e seus diversos editais disponível em:
<http://www2.cultura.gov.br/site/>.
Acesso em: 18 mai. 2013, 16:30:30.
[1] LLERENA, Rosenete M.E. A memória do
patrimônio musical de Joinville: uma abordagem sócio-histórica e cultural das
composições de 1900 a 1950. Dissertação (Mestrado em
Patrimônio Cultural e Sociedade)–Universidade da Região de Joinville, Joinville, 2012, p.65-66.
sábado, 30 de novembro de 2013
sexta-feira, 15 de novembro de 2013
sábado, 19 de outubro de 2013
O “MEU” RIO JARAGUÁ
(BAIRRO
DO RIO DO CERRO – JARAGUÁ DO SUL,SC)
Sandra
Pereira
A
dificuldade em encontrar algum registro
fotográfico de época relativo a uma paisagem natural que tenha marcado a minha
infância (e que eu pudesse confrontar com as imagens de agora) afim de poder
cumprir com o trabalho pedido pelo
professor do meu curso de mestrado, na
Univille, não impede que eu vasculhe minhas memórias e, fechando os olhos,
encontre o mesmo rio Jaraguá, imenso e caudaloso como ainda o trago guardado em
mim.
O
“meu” rio Jaraguá de 1968, parece gigante aos meus olhos de menina. Tenho
apenas 6 anos e moro bem ao lado dele. Meu pai é um dos funcionários da
recém-fundada Malwee e moramos (sem pagar aluguel) numa casa de madeira que nos
foi recentemente cedida pelo proprietário da empresa. Portanto, estou, no
máximo, a 50 metros da margem do rio, pouco antes da enorme ponte de madeira e
muito próxima à residência da família Weege.
O
“meu” rio guarda mistérios insondáveis que aguçam minha curiosidade.
Sem
pedir licença, resolvo descer a barranca e refrescar meus pés numa pequena
praia de areia clara e seixos arredondados.
A
tentação de banhar-me é enorme, porém, assustada, mudo de ideia ao ouvir o
chamado, já desesperado, de minha mãe.
Preciso
ir para casa. Que pena! Não deu tempo de recolher os ovos que as patas (ou
seriam gansas?) costumam depositar na areia.
“Que
ovos, menina! Isso deve ser ôvo de cobra! Não lembra da cobra que a mãe matou
semana passada??”
Só
então descubro que os répteis adoram fazer seus ninhos nas barrancas do rio e
no verão costumam sair para dar suas voltinhas no pomar da minha casa... e até
dentro dela.
Ainda
assim, não me importo em dividir a beleza do rio com os mesmos. Tenho fascínio
pela água e levo algum tempo até poder convencer minha mãe a darmos um passeio
na sua prainha. Preciso mostrar-lhe os ovos
afim de que ela os identifique e, quem sabe, traga alguns para fazermos
um bolo.
Um
aparte para falar de minha mãe: Rosa é uma mulher de mil habilidades. Além de
matar cobras logo na primeira paulada, sabe fazer doces como ninguém e
prontamente identifica os ovos: são de gansa! ... “mas aqueles mais compridos
alí, não sei não!!!”
Porém,
o sonho de comer um bolo feito com aqueles ovos sucumbe diante da postura politicamente
correta da minha mãe: “As gansas não são nossas!! Nein, nein!”
Nesse
dia aprendo minha primeira lição sobre o que é ser honesta: “Não se tira um
grão de arroz do lugar se ele não for nosso!”... tão diferente do lema “achado
não é roubado” que irei presenciar pela vida a fora. “Vou fazer um bolo de
laranja com ovos de galinha mesmo! E nada de você ir sozinha no rio!”
Fica
combinado que eu devo brincar no quintal sob os olhos atentos de minha mãe.
O
jeito é subir na goiabeira para poder admirar o rio de longe e poder cantar pra
ele e pra Deus, um dos meus passatempos favoritos. Gosto de ouvir minha mãe
cantar e ela me ensina velhas cantigas em alemão. Falo alemão –uma variante
dialetal que talvez já tenha desaparecido. Não me alfabetizo nessa língua;
continuo “analfabeta em alemão” até hoje. Porém, guardo-a numa gaveta trancada
em algum canto da memória.
A
goiabeira convive em paz com os vários pés de frutas e vou aprendendo a
conhecer cada um: laranja-açúcar, laranja-lima, pêssego, ameixa, mamão,
abacate, limão e me delicio ajudando minha mãe a cuidar da imensa horta –tenho até minha própria enxada
pequena. Sinto-me importante semeando os canteiros e vivo uma infância feliz
num bairro que se urbaniza rapidamente e ao mesmo tempo conserva ares de cidade
do interior.
Nesse
sábado, pela noite, meu pai e os vizinhos colocarão os côvados para capturar um
peixe que rasga todas as redes de pesca: o cascudo da pedra. Ainda que a
fábrica lance tinta de tecido no rio, mesmo assim é possível, em um ponto mais
distante, anterior à fábrica, pescar e ser feliz.
Chega
o domingo de manhã e resolvo acompanhar meu pai na empreitada. Costumo
acompanhá-lo na pesca de caniço.
Fico
empolgada ao ver os homens abrindo aqueles côvados que mais parecem cestos gigantes. Sou apresentada ao peixe e
nunca esquecerei da sensação rugosa que experimento ao tocar um exemplar da
espécie embora ele me pareça extremamente feio.
Meu
cunhado aparece com minha irmã e os filhos. Meu pai e ele gostam de cozinhar e
volta e meia inventam algum prato. Um dos colegas de meu pai ajuda a trazer os
peixes. Começam a limpá-los e vão jogando dentro de um panelão.. Ao cabo de um
tempo, está pronto um delicioso caldo de cascudo da pedra. Sim, “tem que ser da
pedra!”. Sou informada que existem
cascudos que vivem em outras águas, porém, o das pedras é o de melhor sabor.
Cresço
um pouco e estou ansiosa para ser matriculada no pré-primário. Na verdade ando
rabiscando umas folhas em branco nos cadernos antigos das minhas irmãs (ótimas alunas!)
que a minha mãe guarda de lembrança dentro duma velha bolsa escolar de couro. Ela
nem imagina que arranquei uma folha para desenhar. Uma só! Mesmo assim, logo
sou descoberta e passo a fazer meus rabiscos em papel de pão até o dia em que
compram um caderno só pra mim.
Coloco
as bonecas sentadas em cima dos caixotes de madeira e dou aula para elas.
Noutras vezes faço de conta que são um balcão ou uma mesa “de escritório” e me
ponho a sonhar em, um dia, trabalhar num lugar grande, sentada atrás duma mesa
que tenha uma máquina de escrever e uma calculadora iguaizinhas as que vi no
escritório da empresa quando, dia desses, fui levar a marmita para o meu pai
que não queria “perder tempo” em vir almoçar em casa.
O
rio me intriga e me encanta. Convenço meu pai a nos levar para tomar banho num
dia quente de verão. A água é limpa e posso enxergar as pedras e os peixinhos
nadando por entre meus pés.
No
final deste ano mesmo iremos mudar para Guaramirim onde iniciarei meus estudos.
Não frequento o pré-primário por muito tempo.
Dizem
os psico-pedagogos que as brincadeiras de infância delineiam os múltiplos
papéis que se vai desempenhar na vida.
Pois
digo que olhando o rio do alto da goiabeira (onde gosto de cantar bem alto)
ensaio e sou várias pessoas: uma quase atriz, uma quase-cantora e uma quase
violonista; bancária, secretária numa multinacional (num escritório “bein
grandeee”), leitora voraz metida a escrever e professora de idiomas. Viajo por
uma parte do mundo, exercito meu inglês e em Frankfurt, na hora de pedir uma
informação, nem todos dominam o idioma “mundial”. Vejo-me obrigada a destravar
uma gaveta: encontro a chave rapidamente e arrisco um “Bitte, wo ist das
Badezimmer?” (Por favor, onde fica o banheiro?) e me surpreendo ao entender a
resposta: siga em frente e entre na quarta porta à direita. Alívio ao quadrado!
Nesse
dezembro de 68, dias depois do Natal, despeço-me do “meu” rio Jaraguá um pouco
entristecida mas supero isso em poucos dias, animada com o início das aulas que
me esperam em Guaramirim.
Futuramente
voltarei para visitar o Parque da Malwee algumas vezes, porém, de carona. Todas
as vezes meus olhos irão procurar sôfregos a casa e o rio. Quando pergunto
sobre a ponte e a casa, a resposta é sempre a mesma: “Já passou! Você não viu?”
(...)
Nesta
tarde de 2013, aos 51 anos volto à Barra do Rio do Cerro e molho os meus pés no
rio Jaraguá ainda uma vez.
Surpresa
o reconheço muito embora ele me pareça diferente: não é tão grande quanto eu o
trago guardado em mim. Será que cresci tanto assim ou ele, como um ancião foi
quem encolheu? Ainda vejo umas poucas árvores em suas encostas, porém, suas
barrancas deram lugar a um muro o que o faz parecer ainda mais estreito. Suas
águas estão mais escuras com uma coloração barrenta. Nem sinal das gansas tampouco
das cobras!
Será
que todos foram embora como eu?
Sou
informada que ainda é possível pescar em alguns pontos do rio, notadamente,
após a chuva. Geralmente dois dias depois o rio fica limpo.
Lembro
do meu professor me pedindo para prospectarmos o local considerando uma
aproximação de dois graus entre a temperatura máxima no inverno e a máxima de
verão. Sou alertada que, possivelmente, estas duas estações desaparecerão de
nosso estado nos próximos quarenta anos. Provavelmente, viveremos num clima de
“eterna” meia-estação. Haverá um impacto no meio ambiente com fortes
consequências para a nossa economia em seus vários segmentos: desaparecem o
turismo de verão e não teremos mais maçãs em Friburgo; só haverá espaço para o
cultivo de bananas, mesmo nos lugares mais altos.
A
projeção que faço me alerta sobre o desaparecimento das árvores frutíferas e o
aquecimento das águas que podem vir a extinguir algumas espécies de peixes.
Tomara que estejam enganados! Só o tempo dirá.
Ansiosa,
procuro vestígios da velha casa e seu pomar. Quem sabe ainda esteja lá! Talvez
eu possa ver ao menos um pé de laranja ou a velha goiabeira.
A
foto que localizo pela internet desmonta minha expectativa e vejo que o local
é, agora, um estacionamento.
A rua está
pavimentada e nas calçadas estão plantadas belas árvores. O cenário é
agradável, porém, é outro. Há sinais de desenvolvimento e modernidade por todo
lado.
E a ponte gigante de
madeira? É de concreto e parece tão pequena!
Aliviada percebo que a velha fábrica ainda permanece lá. Seu prédio
de tijolinhos à vista também não me parece tão grande (risos) embora seja
possível visualizar sua expansão.
Também reencontro a
antiga casa dos donos da empresa -hoje transformada num escritório- e que povoa
minhas fantasias tal
é sua beleza e a formosura de seus “imensos” jardins.
A menina que sou
ainda conversa com a filha dos donos pela cerca de arame farpado que separa as
duas propriedades. Vez por outra uma gentil senhora, com ares de avó a
acompanha e, ambas, vem conversar com minha mãe e eu. As senhoras, por puro
saudosismo, falam em alemão e apreciam a companhia uma da outra. Sou
presenteada com roupas e brinquedos semi-novos quase sempre. Não tenho tudo o
que quero mas tenho tudo o que preciso. Nada me falta. Nessa mesma manhã somos
convidadas para um delicioso café da tarde e brinco um pouco com a garota, mais
velha do que eu uns poucos anos. Diante do “Vamos embora que já é tarde!”
imploro que minha mãe me deixe ficar um pouco mais: a casa de bonecas está a
espera de ser visitada e meus olhos vislumbram um espetáculo jamais esquecido.
Subitamente ouço
minha mãe chamando por sobre a cerca: “Pra casa, já! Tem uma louçinha pra você secar!”.
Relutante e educada
me despeço. Há duas tarefas que precisam ser cumpridas. Atendo à mãe e ao
professor: revisito o rio pela minha escrita e os meus pés o tocam pois a
menina “de dentro dele nunca os tirou”1.
1 Trecho extraído da música “Força
Estranha” de autoria de Roberto e Erasmo Carlos.
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domingo, 22 de setembro de 2013
Resenha crítica
Resenha Crítica - ANALÍTICAS CULTURAIS de Lev Manovich
Resenha Crítica
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Sandra Pereira
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Referência do Texto:
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ANALÍTICAS CULTURAIS
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Palavras-chaves (3):
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ANALÍTICA – CULTURA - DIGITAL
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Desenvolvimento do Texto:
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Lev Manovich (Moscou, 1960), crítico de cinema e professor universitárioestabelecido nos Estados Unidos. É pesquisador na área de novas mídias, mídias digitais, design e estudos do software (software studies). Mudou-se para Nova Iorque nos anos 1980, onde realizou seus estudos em cinema e computação. Atualmente, Manovich atua como professor e coordenador do Centro de Pós-graduação em Humanidades Digitais (Digital Humanities) na City University of New York (CUNY), local onde fundou o primeiro centro de pesquisa dedicado ao tema das humanidades digitais, com programas de mestrado e doutorado na área e coordena o Laboratório de Estudos do Software (Software Studies Initiative - www.softwarestudies.com.br) em parceria com o CALIT2, da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), o Graduate Center da CUNY e a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Desde 2006, Manovich passou a se dedicar a analisar a chamada "sociedade do software". O seu grupo de pesquisa em Software Studies dedica-se a pensar os efeitos do software na sociedade e de que forma o software vem transformando a maneira como vivemos, pensamos, tanto economicamente quanto culturalmente,seus textos tratam de "cultural analytics", ou "analítica cultural", uma forma de se pensar nos efeitos do software sobre as representações culturais. Em, “Como acompanhar culturas digitais globais ou Analíticas Culturais para iniciantes”, o autor vem nos alertar que em tempos globais, qualquer pessoa, em qualquer parte do planeta, ao criar um blog passa a ser considerada uma produtora de conteúdo cultural nascido em meio digital, ainda que amadoristicamente, e pode compartilhá-lho com o mundo todo. Portanto, a oferta de produtos culturais não se restringe mais aos pólos geradores de cultura tradicionais como Paris. Pulverizou-se a produção de conteúdos tanto profissional quanto amador e –sublinha o autor – as cidades do terceiro mundo e as do leste europeu, regiões ainda em expansão econômica, tem sido as mais receptivas aos novos softwares que possibilitam produzir arte, haja vista os vários sites de arquitetura no qual profissionais de todas as partes disponibilizam seus portfólios. É a globalização da cultura em meio digital! É a redefinição do que é cultura.
No entanto, o autor alerta para outra situação: antes, os teóricos culturais e historiadores poderiam gerar teorias e histórias baseadas em pequenos conjuntos de dados, por exemplo, conseguiam escrever sobre o "cinema clássico de Hollywood" ou sobre o "Renascimento italiano" pois a produção desses artefatos estava concentrada em alguns pólos e era necessário ir até eles, participar das exposições para poder escrever sobre os mesmos. Porém, como conseguir apreciar e acompanhar a cultura que agora se cria em meio digital, e que é globalmente, produzida e ofertada diariamente por centenas de milhões de contribuintes no mundo todo? Como conseguir compreender como se deu o desenvolvimento de determinado produto, entender como cada “artista” concebeu sua “obra”? Quais as aspirações que subjazem em cada trabalho?
Manovich frisa que não é possível “catalogar” tais conteúdos com as ferramentas que eram utilizadas no século 20 e aponta com uma possiblidade: “E se utilizássemos os softwares e computadores (que hoje em dia são onipresentes) para tal função?”
Um dos objetivos que se acredita seja possível atingir mediante a utilização da Analítica Cultural é analisar quantitativamente a estrutura desses objetos e visualizar os resultados revelando os padrões que se escondem sob a estrutura e que não são possíveis de serem trabalhados sem a ajuda das capacidades de percepção e cognição humana. Outra possibilidade é estabelecer uma taxonomia para os diferentes tipos de conteúdo. Essa taxonomia pode orientar a elaboração de estudos e pesquisas, bem como, ser usada para agrupar esses estudos uma vez que começam a se multiplicar considerando o incremento da quantidade de conteúdo digital disponibilizada a partir de meados da década de 1990.
O autor argumenta que a utilização sistemática de análise computacional em grande escala e a visualização interativa de padrões culturais vai se tornar uma grande tendência na crítica cultural e nas indústrias culturais nas próximas décadas. O que vai acontecer quando os humanistas começarem a usar visualizações interativas como uma ferramenta padrão em seu trabalho, da mesma forma como muitos cientistas já o fazem? Se através de slides (apresentações) é possível ensinar e aprender sobre história da arte, e se através de um projetor e da gravação de um vídeo é possível, igualmente, ensinar sobre cinema, fica a curiosidade: que tipo de disciplinas culturais (cadeiras nas universidades) podem vir a surgir a partir do uso da visualização interativa e da análise de grandes conjuntos de dados culturais? Que tipos de novas demandas teremos? Afinal, com uma boa base de dados, estatisticamente analisados, é possível inverter o fluxo da produção cultural: se antes um jovem arquiteto lançava um portfólio arriscando-se a não vender seu produto; mediante análise da preferência do público ele pode atender melhor suas demandas e as chances de vender seu produto serão maiores. E assim é com todo tipo de artefato cultural ofertado pela web.
Aos livros, jornais, revistas, filmes, obras de arte e arquivos de som, que estão sendo digitalizado em escala maciça, é possível aplicar técnicas de análise de dados para grandes coleções de diversos recursos do patrimônio cultural do mesmo modo como já se aplicam essas técnicas aos dados científicos. Como essas técnicas podem ajudar os estudiosos a utilizar tais análises para fazer novas perguntas sobre o que é o conhecimento e sobre como obter novos conhecimentos para o benefício da humanidade? Como construir novos conhecimentos?
Se quisermos estudar quais os estereótipos culturais contemporâneos e quais convenções delineiam a produção cultural atual, basta analisar os portfólios disponibilizados por contribuintes ainda “não profissionais” pois no afã de querer se profissionalizar, os mesmos acabam, inadvertidamente, expondo os códigos e os protótipos (ou modelos) utilizados nas indústrias de uma forma muito clara. Ou seja, é possível perceber e desenvolver estudos sobre tendências culturais a partir da percepção de padrões.
Manovich faz uma profecia em 2009 e que se cumpre na atualidade: sempre que acessamos a internet somos de algum modo “acompanhados” e há vários ícones piscando, pedindo para serem clicados e que funcionam como “agentes” que rastreiam os sites que visitamos e registram nossas preferências. Tais procedimentos geram estatísticas e estudos de tendências de consumo que são vendidos para todos os tipos de indústria de modo que possam produzir de acordo com o esperado pelos clientes. Nesse sentido, a indústria cultural também se utiliza das mesmas ferramentas de análise. Se considerarmos que muito do que se disponibiliza atualmente na internet pode ficar armazenado em nuvens e deslocando esse argumento para a discussão dos bens culturais sob a ótica da preservação dos mesmos enquanto patrimônios culturais imateriais disponibilizados digitalmente, é de se imaginar que muito em breve não haverá mais necessidade de registrar tais acervos e surge o questionamento: preservar para quê e para quem?
Ainda no tocante aos patrimônios culturais materiais e imateriais a escolha quanto ao que deve efetivamente ser preservado sempre costuma ser fruto de ajuizamentos feitos segundo os interesses de quem quer preservar. Nem sempre a decisão de preservar um patrimônio nasce no bojo das discussões interativa entre múltiplos atores sociais. Nesse sentido, Manovich nos faz pensar que sendo a internet um território no qual todos podem disponibilizar e ofertar seus bens culturais, a decisão de quais acervos manter digitalmente para fruição permanente do público implica numa descentralização de poder, a partir do momento em que se leva em conta estudos estatísticos e humanísticos para melhor atender o público que consome arte, a própria oferta de um cardápio variado de produtos culturais implica em processos de seleção mais democráticos pois se atenta à formação do gosto sempre que se considera os estudos e indicadores que refletem as aspirações de quem consome tais produtos.
Texto interdisciplinar dirigido para designers, produtores culturais, escritores, pessoas envolvidas em processos de registro de patrimônios culturais imateriais, antropólogos, sociólogos, historiadores, profissionais de informática pois, o texto ao abordar a produção cultural e seus mapeamentos, abre para discussões e imbricamentos vários.
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Observações:
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Artigo disponível em inglês e alemão, retirado do blog: http://lab.softwarestudies.com/p/publications.html
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quinta-feira, 27 de junho de 2013
Fichamento.
Aluna: Sandra Pereira. Disciplina: Memória e Identidade. Mestrado em Patrimônio
Custural e Sociedade, turma VI, Univille. Profas: Ilanil Coelho e
Raquel A. S. Venera.
Texto: CANCLINI, Nestor. Diferentes, desiguais e desconectados. UFRJ: Rio de Janeiro, 2005. Cap. 1.
O foco de seu trabalho é a pós-modernidade e a cultura a partir de
ponto de vista latino-americano. É considerado um dos maiores investigadores em
comunicação, cultura e sociologia da América
Latina.
Estudou Filosofia e concluiu o doutorado em 1975 na Universidade
Nacional da Prata. Três anos depois, concluiu o doutorado na Universidade de Paris.
Um de seus livros lançados no Brasil com o título Culturas
Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade abriu uma nova
linha para estudos culturais no continente.
Outro deles, Consumidores e Cidadãos(1995), propôs a
politização do consumo e rompeu a forma tradicional de analisar hábitos
televisivos.
É autor de estudos culturais interdisciplinares, ou seja, a
cultura ou as culturas, bem como as suas interações, convergências e choques.
Estudioso da globalização e das mudanças culturais na América
Latina, seu trabalho é marcado pela análise e as mesclas entre culturas,
etnias, referências midiáticas, populares e tradicionais.
Recebeu
o título de pesquisador emérito do Sistema Nacional de Pesquisadores do México.
Uma
de suas obras, Culturas Híbridas, recebeu o prêmio Book Award,
concedido pelo Latin American Studies Association, por ter sido considerado o
livro do ano em 2002 sobre a América Latina.
Alguns livros em
espanhol
·
Cultura y
Comunicación: entre lo global y lo local,
Ediciones de Periodismo y Comunicación.
·
Las industrias
culturales en la integración latinoamericana
Títulos traduzidos para o português
e lançados no Brasil
·
Diferentes,
desiguais e desconectados, 2005, Ed. UFRJ, Rio de Janeiro
·
A globalização
imaginada, (2003), Ed. Iluminuras, São Paulo
·
As Culturas
Populares no Capitalismo,(1983), Ed.
Brasiliense
Tema
As
narrativas mais recentes sobre “cultura” e identidade.
Problema
A inexistência de um conceito de cultura que dê
conta de abarcar todos os processos do mundo global corrente, que contenha em
si toda a multiplicidade identitária dos tempos pós-modernos e que seja representativo do pensamento de todas as
ciências.
Idéia principal
Uma possível definição
operacional, compartilhada por várias disciplinas ou por autores que pertencem a
diferentes disciplinas acerca do que seja “cultura”.
Estrutura
do texto
Introdução
ao Capítulo 1: introduz o capítulo 1 expondo
algumas das primeiras definições de “cultura”; comunica que é importante
compreender como se foi chegando, nas ciências sociais, a certo consenso em
torno de uma definição sociossemiótica da cultura e quais problemas colocam a
este consenso as condições multiculturais em que este objeto de estudo varia.
Em seguida, anuncia que irá se ocupar das redefinições operadas por jornalismo,
mercados e governos pois essas noções, por terem eficácia social, devem fazer
parte daquilo que é preciso investigar.
1ª
parte: de uma perspectiva antropológica e apoiado em diversos
teóricos, explana sobre as duas
principais narrativas existentes quanto ao que seja “cultura” e dos “labirintos
do sentido”, ou seja, da multiplicidade de ideias daí advindas.
2ª
parte: discorre sobre as
quatro vertentes contemporâneas que destacam diversos aspectos da perspectiva
processual, a qual considera, ao mesmo tempo o sociomaterial e o significante
da cultura. Não são paradigmas. São formas com as quais se narra o que acontece
com a cultura na sociedade -o que implica em estar diante de conflitos nos
modos de conhecer a vida social.
3ª
parte: O autor propõe pensar a cultura não como substantivo, mas
sim como o adjetivo cultural. Já que não faz mais sentido imaginar a cultura
como um bem, propriedade de uma nação, faz sentido imaginar a cultura como,
justamente, a qualidade desse sistema de significações próprios de um povo. E
com esta visão, valoriza-se justamente a relação intercultural, como as
diferenças de dois
ambientes diferentes dialogam
entre si, entre
outras palavras, a interculturalidade.
Autores
com os quais dialoga:
LASKY,
Melvin J.
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Canclini
faz crítica à Lasky (pág. 29 e 30) pois o último fala do “zumbido
ensurdecedor” produzido pela proliferação
dos significados acerca do termo “cultura”. Lasky responsabiliza os marxistas
(por terem começado a falar de “cultura capital”) e os antropólogos por terem
utilizado a palavra a partir do próprio título do livro de Sir. Edward Tylor
“Culturas Primitivas”. Lasky dizia que “Por definição, a cultura não poderia
ser primitiva” (2003, p. 369)
|
Filósofos alemães: Herbert Spencer,Wilhelm
Windelband, Heinrich Rickert (final séc XIX e início do séc XX).
|
Menciona,
apenas ilustrativamente, deles a primeira noção, mais óbvia, da
cultura como sendo o “acúmulo de conhecimentos e aptidões intelectuais e
estéticas” (pág. 31) e de Rickert, em
particular, a distinção que o mesmo fazia entre cultura e civilização.
Elegantemente faz coro “às muitas críticas que os estudiosos costumam fazer “a
esta distinção taxativa entre civilização e cultura”. (pág. 31)
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BORDIEU,
Pierre.
|
Menciona
Bordieu que opõe cultura e sociedade (pág. 39)
|
BAUDRILLARD,
Jean.
|
Retoma
apenas ilustrativamente BAUDRILLARD e seus “quatro tipos de valor na
sociedade: uso, troca, signo e símbolo” (pag. 40)
|
HOBSBAWN,
|
Quando
CANCLINI menciona que as interações (das pessoas estrangeiras morando em
outro lugar) têm efeitos conceituais sobre as noções de cultura e identidade,
menciona HOBSBAWN como sendo o criador da ideia de identidade coletiva como
sendo “mais camisa do que pele” e já aproveita para ironizá-lo dizendo que é
preciso lembrar das inúmeras condutas racistas que ontologizavam na pele as
diferenças de identidade e diz que,
“seria útil completar a metáfora de Hobsbawn com um análise dos variados tamanhos
de camisa”. (pág. 45)
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APPADURAI,
Arjun
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Concorda com APPADURAI que
considera a cultura não como um substantivo, mas como adjetivo.
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ORTNER
e
GEERTZ
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Concorda com ORTNER (1999, p.7)
e GEERTZ que falam do “cultural” como o choque de significados nas
fronteiras...” (Pág. 48) ao invés de “cultura”.
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GRIMSON, Alejandro
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Concorda com GRIMSON que, na
leitura do conceito acima, sublinha que esta concepção do cultural como algo
que sucede em zonas de conflito situa-o como processo político: refere-se aos
“modos específicos pelos quais os atores se enfrentam, se aliam ou negociam”
(Grimson, 2003, p. 71) – PÀG. 48.
|
PRICE,
|
Concorda com PRICE quando este
argumenta sobre “arte primitiva” e diz que tal como “os africanos capturados
e deportados para países distantes na época do comércio de escravos”, os
objetos de “outras” sociedades foram “apreendidos, transformados em
mercadoria, esvaziados da sua significação social, recolocados em novos
contextos e reconceituados para responder a necessidades econômicas,
culturais, políticas e ideológicas dos membros das sociedades distantes.”
(ibid, p.22) = PÀG. 50.
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Idéias principais.
Introdução ao Capítulo 1
Inicialmente cita que em 1952 dois antropólogos pesquisaram mais de 300 formas de definições; em 2001 outro antropólogo reuniu mais 57 usos distintos do termo cultura que pesquisou em jornais alemães, ingleses e estadunidenses. [35]
Inicialmente cita que em 1952 dois antropólogos pesquisaram mais de 300 formas de definições; em 2001 outro antropólogo reuniu mais 57 usos distintos do termo cultura que pesquisou em jornais alemães, ingleses e estadunidenses. [35]
Fala da tentativa de encontrar uma
definição para o termo “cultura” que traduza, por consenso, o pensamento de
todos os estudiosos.
1.
Labirintos do sentido.
O autor cita que não se deve
abandonar a aspiração acima, no entanto, “o relativismo epistemológico e o
pensamento pós-moderno debilitaram, por caminhos distintos, aquela preocupação
com a unicidade e a universalidade do conhecimento. A própria pluralidade de
culturas contribui para a diversidade de paradigmas científicos, ao condicionar
a produção do saber e apresentar objetos de conhecimento com configurações
muito variadas.” (pág. 36)
Diante de uma variedade de
disciplinas e definições de cultura, falando de uma perspectiva antropológica,
Canclini resolve adotar a postura de debruçar-se com atenção e “escutar” todos
os processos sociais. Assim sendo, ao invés de apresentar novos conceitos de
cultura, apresenta a principais “narrativas” quando se fala de cultura nos dias
hoje: (pág. 36)
a)
A noção cotidiana de cultura como
sendo o acúmulo de conhecimentos e aptidões intelectuais e estéticas. (pág. 37)
O autor sublinha que a definição
supra tem sustentação na filosofia idealista e supõe a distinção entre cultura
e civilização, elaboradas pelos filósofos alemães no final do século XIX e
início do século XX (Spencer, Windelband e Rickert).
Cita que entre as muitas criticas
que se podem fazer a esta distinção taxativa entre civilização e cultura, “uma
é que naturaliza a divisão entre o corporal e o mental, entre o material e o
espiritual, e, portanto, a divisão do trabalho entre as classes e os grupos
sociais que se dedicam a uma ou a outra dimensão.” (Pág. 37)
Afirma que essa narrativa, “naturaliza,
igualmente, um conjunto de conhecimentos e gostos que seriam os únicos que
valeria a pena difundir, formados numa história particular, a do Ocidente
moderno, concentrada na ára europeia ou euro-norte-americana. Não sendo, pois,
uma característica pertinente da cultura, no estado dos conhecimentos sobre a
integração de corpo e mente, nem de uso apropriado depois da desconstrução do
eurocentrismo operada pela antropologia.” (Pág. 37)
b)
Frente aos usos cotidianos acima,
vulgares ou idealistas de cultura, surge um conjunto de usos científicos, que
se caracterizaram por separar a cultura em oposição a outros referentes. Os
dois confrontos principais a que se submete o termo são natureza-cultura e sociedade-cultura.
(Pág 37)
Dois
requisitos a considerar para se construir uma noção cientificamente aceitável
de “cultura” (antes de comentar-se os dois confrontos acima):
1)
Uma definição unívoca, que situe o
termo cultura num sitema teórico determinado e o liberte das conotações
equívocas da linguagem comum;
2)
Um protocolo de observação rigoroso,
que remeta ao conjunto de fatos, de processos sociais, nos quais o cultural
possa registrar-se de modo sistemático.
A oposição cultura-natureza:
durante um tempo acreditou-se que essa oposição permitia fazer essa delimitação.
Parecia que, deste modo, se diferenciava
a cultura, aquilo criado pelo homem e por todos os homens, do simplesmente
dado, do “natural” que existe no mundo. No entanto, esse campo de aplicação da
cultura por oposição à natureza, mesmo depois de muitas pesquisas, não parece
claramente especificado. Não se sabe por que ou de que modo a cultura pode
abarcar todas as instâncias de uma formação social, ou seja, os modelos e
organizações econômica, as formas de exercer o poder, as práticas religiosas,
artísticas e outras. (Pág. 38)
A oposição cultura e
sociedade: a sociedade é concebida como o conjunto de estruturas mais ou
menos objetivas que organizam a distribuição dos meios de produção e do poder
entre os indivíduos dos grupos sociais, e que determinam as práticas sociais,
econômicas e políticas. No entanto essa oposição deixava de considerar uma
série de atos que nada tem haver com poder ou economia, tais como: Porque
homens e mulheres pintam a peoe, das sociedades mais arcaixas até a atualidade?
Porque as pessoas enfeitam o corpo dependurando coisas nele?
É preciso considerar que o desenvolvimento do consumo
evidenciou esses “resíduos” ou “excedentes” na vida social. Tanto assim é que,
Jean Baudrillard, explica melhor esta oposição em sua Crítica
da economia política do signo (Canclini, p.40) ao estabelecer quatro
tipos de valor na sociedade. Exemplo: O que é uma geladeira? Para que
serve uma geladeira?
a. Valor de uso: uma geladeira é um
aparelho doméstico, serve para manter temperatura de alimentos, remédios ou
qualquer outro objeto;
b. Valor de troca: a geladeira é uma
mercadoria, que demorou um certo tempo e recursos para ser produzida, e vale
algo em dinheiro;
c. Baudrillard e o "valor signo": geladeira é um conjunto de conotações, de implicações
simbólicas. É "nacional" ou não, de marca etc;
d. Baudrillard e o "valor símbolo": geladeira da minha vó, por ser da minha vó, não pode ser
trocada. "Não tem preço", diz o comercial de tv.
Esta classificação permite diferenciar o socioeconômico do
cultural. Os dois primeiros tipos de valor têm a ver, principalmente, mas não
unicamente, com a materialidade do objeto,
com a base material da vida social; os dois últimos tipos de valore referem-se
à cultura, aos processos de significação.
(Pág. 41)
Pierre Bourdieu, desenvolveu esta
diferença entre cultura e sociedade ao mostrar que a mesma se assenta
em dois tipos de relações: as de força (usos e trocas) e, dentro delas,
entrelaçadas com estas relações de forças, há relações de sentidos, que organizam a vida social, as relações de
significação. O mundo das significações,
do sentido constitui a cultura.
Finalmente, chega-se assim, a uma
possível definição operacional, compartilhada por várias disciplinas ou por
autores que pertencem a diferente disciplinas Pode-se
afirmar que a cultura abarca o conjunto
dos processos sociais de significação ou, de um modo mais complexo, a
cultura abarca o conjunto de processos
sociais de produção, circulação e consumo da significação na vida social.
2. Identidade:
camisa e pele
Portanto, ao conceituar cultura
destemodo equivale a dizer que ela apresenta-se como processos sociais, e parte da dificuldade de falar dela deriva do
fato de que se produz, circula e se consome na história social. Não é algo que
apareça sempre da mesma maneira. Daí a importância dos estudos sobre recepção e
apropriação de bens e mensagens nas sociedades contemporâneas. Mostram como um
mesmo objeto pode transformar-se através
de usos e reapropriações sociais. E também como, ao nos relacionarmos uns com
os outros, aprendemos a ser interculturais. (Pág. 42)
Exemplo:
o artesanato produzido pelos índios mexicanos que é comprado por setores
urbanos e, deslocado de sua função primeira, vai decorar as paredes (ser
ressignificado) de quem o comprou.
Ao prestar atenção nos deslocamentos
de função e significado dos objetos, no trânsito de uma cultura para outra,
chega-se à necessidade de contar com uma definição sociossemiótica da cultura,
que abarque o processo de produção, circulação e consumo de significações na
vida social.
Configuram essa perspectiva várias
tendências, vários modos de definir ou sublinhar aspectos particulares da
função social e do sentido que a cultura adquire dentro da sociedade.
Canclini passa a considerar quatro
vertentes contemporâneas que destacam diversos aspectos dessa perspectiva
processual, a qual considera, ao mesmo tempok o sociomaterial e o significante
da cultura.
1ª. Tendência: é a que vê a cultura como a instância em que cada
grupo organiza sua identidade;
2ª. Tendência: a cultura é vista como uma instância simbólica da produção e reprodução
da sociedade. Apoia-se na Teoria da Ideologia de Louis Althusser, quando
diz que a sociedade se reproduz através da ideologia e nos estudos de Pierre
Bourdieu sobre a cultura como espaço de
reprodução social e organização das diferenças.
3ª. Tendência: fala da cultura como uma instância de conformação do consenso e da
hegemonia, ou seja, de configuração da cultura política e também da
legitimidade.
4ª. Tendência: é a que fala da cultura como dramatização eufemizada dos conflitos
sociais como dramatização simbólica do que está nos acontecedo. Por isso
temos teatro, artes plásticas, cinema, canções e esporte.
3. Substantivo ou
Adjetivo ?
Uma interpretação
muito interessante e
válida pra o
entendimento consta em
pensar
a cultura não como substantivo, mas sim como o adjetivo cultural. Já que não
faz
mais
sentido imaginar a cultura como um bem propriedade de uma nação, faz sentido
imaginar
a cultura como justamente a qualidade desse sistema de significa ções próprios
de
um povo. E com esta visão, valoriza-se justamente a relação intercultural, como
as
diferenças de
dois ambientes diferentes
dialogam entre si,
entre outras palavras,
a
interculturalidade.
A
concepção de GarcÌa Canclini
com relação às identidades
culturais, vem, eminentemente, através
de sua concepção de hibridismo cultural
convertida em modelo
explicativo da identidades (ESCOSTEGUY, 2001 p.171). Esta
perspectiva faz parte de outras discussões
presentes na obra do autor,
entre elas a
discussão da possibilidade, ou não de
uma identidade cultural comum aos
povos da América
Latina. A partir
desta perspectiva, Garcia
Canclini, a partir de
“Diferentes, Desiguais e
Desconectados (2006), sua mais
recente obra, propicia a compreensão não
de uma identidade
cultural, mas de um
espaço sociocultural latinoamericano onde estão inseridas as
diversas identidades culturais.
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