MESTRADO EM
PATRIMÔNIO CULTURAL E SOCIEDADE
Disciplina: Patrimônio
Cultural e Cidadania I
Profª. Drª. Sandra
P. L. de Camargo Guedes
Profª. Drª. Patrícia de
Oliveira Áreas
Atividade: ANÁLISE
DE TEXTO e APRESENTAÇÃO EM SEMINÁRIO
Texto: A Prática de Tombamento : 1970-1990. In:
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da
política federal de
preservação no Brasil. 3ª. ed. rev.
ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009, p. 179-212.
1. Contextualização do Autor
Maria Cecília
Londres Fonseca
Formação
acadêmica:
Licenciada em Letras pela PUC-RJ;
Mestre em Teoria da Literatura pela UFRJ;
Doutora em Sociologia pela UnB.
Experiência
profissional:
Professora de Teoria da Literatura na
PUC-RJ (1970-1975);
Pesquisadora do Centro Nacional de Referência
Cultural-CNRC (1976-1979);
Coordenadora de projetos da Fundação
Nacional Pró-memória (1979- 1990);
Assessora do Ministro da Cultura
(1995-1998);
Coordenadora de Políticas da Secretaria de
Patrimônio, Museus e Artes Plásticas do MinC (1999-2001);
Membro do Grupo de Trabalho do Patrimônio
Imaterial (1998-2000);
Representante do Brasil nas reuniões de
peritos internacionais, na Unesco, para a elaboração da Convenção para a
Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2002-2003);
Conselheira do Conselho Consultivo do
Patrimônio Cultural (2004-)
e Sócia Correspondente do IHGB – Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (2205-).
Publicações:
Coordenadora da publicação Tecelagem
manual no Triângulo Mineiro: uma abordagem tecnológica (Brasília: Fundação
Nacional Pró-memória, 1984).
Organizadora da Revista Tempo Brasileiro
147: Patrimônio Imaterial (Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro,
2001).
Autora de O Patrimônio em processo (RJ:UFRJ;
Brasília:Iphan, 2005, 2ª. ed.).
Tombam
templos. Tombam prédios.
Não
falta tombar mais nada.
Fujamos,
fujamos
Antes
que a noite seja tombada.
(Quadrinha composta por Manuel Bandeira no
final de uma longa reunião do Conselho Consultivo, citada de memória por Afonso
Arinos na 124ª reunião, em 13.01.1987)
2. Objeto de estudo
Relato histórico,
resultante de pesquisa que a autora fez, junto ao IPHAN, acerca de como se dava a prática de
tombamento do patrimônio material brasileiro entre 1970 à 1990.
3. Identificação do Problema
Diante da ausência,
na prática, de formas alternativas de preservação do nosso patrimônio, a autora
observou que entre 1970-1990, o Brasil continuou adotando o tradicional
tombamento como sendo o único instrumento existente para preservar seus bens, e
o fez, na maioria das vezes, na ausência de uma diversidade de atores sociais,
ou seja, com pouca participação da sociedade, apesar de, ao longos dos anos,
ter aumentado o número de agentes participantes, dentro do IPHAN, envolvidos na
prática de valoração dos bens e na emissão dos pareceres.
4. Argumentação do autor
Durante
apresentação do capítulo, a autora pontua:
1.
É importante haver instrumentos alternativos de
preservação do patrimônio, além do tradicional tombamento, conforme preconiza a
Constituição de 1988 em seu artigo 216, parágrado 1º, que indica explicitamente
que se busque “outras
formas de preservação e acautelamento” (pág. 179);
5. Hipótese
Na medida em que
se reconstruam séries históricas, se forem propostas leituras mais abrangentes,
que não se limitem aos conceitos tradicionais de história e arte, e sobretudo se abrirem-se espaços para a participação
de outros atores, estes poderão propor outras leituras e dar suporte às
atividades de proteção, os efeitos
dessa fase poderão redundar numa efetiva ampliação da eficácia simbólica do
patrimônio e numa maior
representatividade dos bens tombados relativamente à pluralidade cultural
brasileira.
CAPÍTULO 5 – A
PRÁTICA DE TOMBAMENTO: 1970-1990
(179)
As expressões “Livros do Tombo” e “tombamento”
provêm do Direito Português, onde a palavra “tombar” significa “inventariar”,
“arrolar” ou “inscrever” nos arquivos do Reino, guardados na “Torre do Tombo”. (Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo
brasileiro)
Portanto,
Tombar = arrolar, inventariar ou inscrever nos “Livros doTombo”
A competência de preservação do nosso patrimônio
funciona da seguinte maneira:
A preservação dos monumentos arqueológicos e
pré-históricos é regulada por lei específica, nº. 3924, de 26 de julho de 1961.
Os acervos arquivísticos e bibliográficos continuam
ainda sendo objeto de estudos visando levar em conta a especificidade de sua
proteção. Em outras palavras, como vimos ontem no Arquivo Histórico, nem tudo
está regulamentado... seguem conversando para decidir quem vai cuidar do quê;
para onde devem ser destinados os documentos.
A proteção do bens culturais móveis, está ao
encargo dos museus e considerada defasada em relação à proteção do patrimônio
imobiliário.
como O Terreiro da
Casa Branca, em Salvador e a Serra da Barriga, em Alagoas (que foram conduzidos
por grupos vinculados aos movimentos negros como verdadeiras lutas políticas).
No caso do primeiro, tratava-se de evitar o despejo do terreiro de candomblé do
local onde funcionava desde meados do século passado.
No entanto, no caso do Pelourinho, sua restauração
implicou num remanejamento e eventual saída dos moradores de menor renda.
O tombamento sempre impõe ao bem
algumas restrições e limites quanto ao uso do imóvel.
Quando se considera um bem como uma mercadoria, isso
costuma ter consequências “indesejáveis” para extratos das classes média e
alta, como por exemplo, para os proprietários de imóveis em setores urbanos
antigos e para os empresários da
construção civil.
(181)
Esse cenário se
agrava a partir dos anos 70 em consequência da tendência de se tombar
conjuntos inteiros de imóveis que
deixaram insatisfeitos proprietários e
empreiteiros nas cidades de Antônio Prado (RS), dos conjuntos das avendidas
Nazareth e Governador José Malcher em Belém do Pará e, no Rio de Janeiro, o
prédio da Light, o Hotel Copacabana Palace, o Parque Lage, a Praça XV.
No entanto,
segundo o arquiteto Carlos Lemos, do CONDEPHAAT, de São Paulo, no caso das
fazendas paulistas antigas há, pelo contrário, interesse no tombamento, o que
as valoriza no mercado imobiliário. (É POSSÍVEL VENDER
O IMÓVEL, DESDE QUE SE COMUNIQUE O IPHAN DA INTENÇÃO DE VENDER E DESDE QUE OS
NOVOS DONOS ASSUMAM, JUNTO AO IPHAN, A RESPONSABILIDADE PELA CONTINUIDADE DA
CONSERVAÇÃO
A autora passa a considerar, de agora em diante, o
instituto do tombamento, não tanto pelo seu aspecto jurídico ou técnico, mas
por ser a prática mais significativa da política de preservação federal no
Brasil. Não só pelo poder que ele tem de delimitar um universo simbólico
específico, como também, pelo poder que tem de intervir no estatuto da
propriedade e no uso do espaço físico e, sobretudo, “Porque constitui um campo
onde se explicitam –e onde se podem apreender- os sentidos de preservação para
os diferentes atores sociais.
Desse momento em
diante, a autora passa a analisar a prática do tombamento e suas implicações na
vida social, ou seja:
o uso que dela fazem os agentes oficiais;
o modo como dela se apropriam os que a solicitam;
as reações daqueles que são afetados por sua aplicação;
os que não tem seu pedido de tombamento atendido. Nesse último caso,
ela se limita às manifestações que encontrou incorporadas aos processos.
A autora foi
pesquisar nos arquivos do IPHAN os processos contendo pedidos de tombamento .
Encontrou-os sob a forma de dossiês, bem organizados e bem mais detalhados se
comparados aos processos da década de 60 (SPHAN) que eram bastante rápidos e
sucintos.
(182)
Notou que estavam
em ordem cronológica, o que possibilitou perceber quais os critérios que
nortearam a prática de preservação nas décadas de 70 e 80.
Deixou de fora da
análise os processos que se encontravam ainda em estudo (sob avaliação do
IPHAN) pois como não havia um resolução (um parecer definitivo) sobre esses
pedidos, não havia como perceber de que modo a instituição operava a atribuição
de valor àqueles bens, quais critérios adotava para tal.
Porém, a autora
cita que graças a um estudo realizado pelo Departamento de Proteção, em 1992, e
a um levantamento que ela fez no arquivo, foi possível extrair também desse
conjunto alguns dados significativos.
PROCESSOS
ANALISADOS – 01.01.70 À 14.03.90
481 processos foram abertos
135 resultaram em tombamento efetivamente
74 foram arquivados
272 ainda se achavam em fase de estudo (análise)
Conclusões:
A mais evidente é a imensa demora na análise que
pode levar décadas em função da “dificuldade da instituição em dar andamento
aos processos”.
Essa dificuldade foi agravada a partir de março/90
quando ocorreu, no início do governo Collor, a paralização das atividades do
SPHAN (SECRETARIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL), em virtude da
reforma administrativa e da dissolução do Conselho Consultivo que tornou a se reunir,
somente, em maio de 1992.
DADOS
LEVANTADOS PELA AUTORA NA PESQUISA:
Solicitante;
Data do pedido;
Justificativa da solicitação;
Avaliação técnica e jurídica;
Resolução do pedido.
A autora ressalta que, pela leitura dos processos,
foi possível perceber as discussões e diferentes visões surgidas nas reuniões
do Conselho Consultivo acerca dos “critérios de atribuição de valor artístico e
de valor histórico; de valor excepcional e de valor nacional; a questão dos
Programas Novos e dos bens identificados com a cultura popular e com os
diferentes grupos étnicos; as noções de conjunto urbano e de cidade histórica;
a questão do entorno dos bens tombados, além, é claro, da questão maior da
especificidade da Sphan para decidir, sozinha, sobre a questão” uma vez que,
anexo aos processos também estavam as Atas relativas às reuniões do Conselho
Consultivo.
DE MAIO DE 92 ATÉ MAIO DE 95 OCORRERAM MAIS SETE TOMBAMENTOS, entre
eles, do PARQUE ZOOLÓGICO DO MUSEU EMÍLIO GOELDI (BELÉM, PA) e do CINE-TEATRO
CENTRAL e das pinturas a ele integradas (JUIZ DE FORA, MG)
Segundo a autora, ”não é difícil imaginar as consequências dessa
morosidade, ainda mais quando se trata de pedido de um agente externo à
instituição, e num momento em que a Sphan/FNpM (FUNDAÇÃO NACIONAL PRÓ-MEMÓRIA) propunha
a participação da comunidade como pedra de toque de sua política de
preservação.”
(183)
5.1.1 A
Origem dos pedidos
Nas décadas anteriores à de 70, a grande maioria das
solicitações de tombamento tinha origem dentro da própria instituição federal.
Além disso,
como coloca Maria Cecília Londres Fonseca, “a
população foi vista como massa pelo IPHAN, durante a fase heroica, pois era
considerada incapaz de compreender o valor e sentido do PHAN; nota-se a
ausência de ações de educação patrimonial, inclusive através do ensino público
formal, mesmo o órgão federal de preservação tendo permanecido por quase
cinquenta anos vinculado à educação, a nível ministerial. Ou seja, tratam-se de
patrimônios mudos, pois, ao se referirem a valores e conceitos estranhos à
maior parte da população, parecem ocultar os conceitos, valores e
justificativas que os elevaram à condição de PHAN. “
De 1970 em diante, há um aumento de solicitações
externas ao Sphan sendo que dos 95 processos arquivados até 1969, a maior parte
tinha sido aberta por iniciativa de representantes do próprio Sphan.
No entanto, entre 1970 e 1990, entre os 89 processos
, apenas 11 partiam da própria instituição (13%).
Igualmente, segundo os DEPROT, entre os processos
que ainda encontravam-se em análise, a maioria continha solicitações externas à
instituição. Entre os processos que resultaram em tombamento, os que partiram
da própria Sphan correspondiam a pouco mais que da metade.
Assim, é possível deduzir que houve, realmente, um
aumento na participação da sociedade civil na política de preservação federal
no período em questão.
Claro que sendo o próprio Sphan o solicitante,
constituía um facilitador. Porém, vale ressaltar que as iniciativas externas
provinham de:
Assembléias legislativas e prefeituras, por
iniciativa pessoal de congressistas e prefeitos ou enquanto intermediárias de
grupos locais. Havia pedidos de instituições culturais, bem como, de diretores e funcionários de algumas
instituições que nele trabalhavam (Escola de Enfermagem Ana Neri, Rio de
Janeiro), Colégio Pedro II, Fundação
Osvaldo Cruz, etc.
Entre os particulares, observou-se que os pedidos
costumavam partir de proprietários ou de pessoas de algum modo familiarizadas
com a questão da preservação: arquitetos, artistas, historiadores, intelectuais
em geral.
Embora, são ainda raros,
nessa época, a iniciativa por parte de grupos que se mobilizassem
especificamente para essa finalidade ou associações formadas em função de uma
demanda patrimonial.
A autora diz que o “boom” de associações que ocorreu
no Brasil a partir da segunda metade da década de 70 ainda não chegou ao
patrimônio. Há registro de apenas poucos casos como um conjunto de casas na
Praça Coronel Pedro Osório, em Pelotas (RS) e as igrejas de Santana (Ceará) e a
de Pati do Alferes (RJ). Tais iniciativas isoladas sensibilizaram os técnicos
da Sphan, que levaram esse fato em consideração na indicação para tombamento.
Iniciativas dos moradores em torno do Copacaba
Palace, do Terreiro Casa Branca em Salvador, apoiados inclusive, por
instituições acadêmicas e culturais, por representantes do movimento negro e
por outros grupos locais, foram minoria naquela época.
São verdadeiras exceções se considerados os
processos abertos naquele período.
Observar: “na frança, em
1980, já existiam 6.000 associações em todos os domínios do patrimônio (Léniaud,
1992, p. 104).”
Da mesma forma, mas em sentido contrário, o pedido
de tombamento da cidade de Antônio Prado (RS), que se organizou para impugnar o
tombamento. Nesse caso, a Sphan teve que fazer todo um trabalho de
esclarecimento acerca das vantagens do tombamento junto à população e,
finalmente, conseguiram reverter a situação.
QUALIFICANDO A NATUREZA INDICADA PELOS DADOS
COLHIDOS NA PESQUISA:
O interesse que move os pedidos variava, caso a
caso.
Apesar de haver solicitações encaminhas por
assembleias e prefeituras, 18 foram arquivadas e, somente, 9 atendidas e isso não qualifica as solicitações como sendo
oriundas representativamente de grupos organizados da sociedade, sim, nasceram de um ideário difundido, à época, pela própria
FNpM no sentido do reforço às identidades locais.
Aqui em Joinville,
lembremos da febre inicial das fachadas que tentavam recriar o estilo
“enxaimel”. (GRIFO NOSSO)
No entanto, não é possível precisar em que medida
esses pedidos realmente representavam anseios de uma população, conforme se
propunha nas Diretrizes, pois, para
isso, seria necessário pesquisar nas fontes locais: nos grupos e associações
que, alegadamente, apareciam como reivindicadoras de um tombamento.
As Diretrizes
dizem que “A comunidade é a melhor guardiã de seu patrimônio” e, portanto,
deveria também, como sujeito ser chamada a participar com os agentes
institucionais na hora de montar o processo de solicitação de tombamento.
Deveria haver amplas discussões e diálogos com a sociedade e seus diversos
grupos.
NA PRÁTICA dos trabalhos de preservação, no entanto,
os MECANISMOS DE SELEÇÃO DE BENS PARA TOMBAMENTO E DE OBRAS ELEGÍVEIS PARA TAL
, os procedimentos continuam sendo os mesmos das décadas anteriores: a avaliação técnica dos pedidos sendo feita
pelos setores técnicos da Administração Central da Sphan que, quase na
totalidade, simplesmente acompanhava o parecer dos técnicos da Sphan. A
participação das Delegacias Regionais da Sphn/FNpM era restrita aos pareceres.
Ou seja: se por um lado os pedidos deixaram de ser
iniciativa exclusiva daquelas instituições, os mecanismos de decisão, no
entanto, continuavam restritos aos órgãos técnicos da administração central e,
salvo raras exceções, nunca se detectou muitos casos de mobilização de setores
diversos da sociedade no sentido de pressionar a Sphan na prática da
preservação.
Sem falar que a participação popular nos processos
decisórios e até mesmo antes, na hora de
definir valores nacionais, é tarefa complexa de se levar a termo e passa por
criar mecanismos institucionais em que a
sociedade de fato esteja representada. Isso poderia converter a seleção de bens
numa decisão mais política do que técnica. Entretanto, essa tem sido ainda a alternativa mais eficiente, mesmo em países de tradição
centralizadora como a França, onde, desde 1984 já funcionavam as Corephase
(Comissões Regionais do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e
Etnológico) (MESNARD, 1990, p.430); em
Portugal (desde 1946) as próprias
câmaras municipais podem promover, junto aos órgãos competentes, a
classificação de bens, existentes em seus conceitos como “valores conselhios”
(IPPAR, 1993, p. XX) e na Espanha, cujas regiões são bem mais autônomas se
comparado aos nossos estados brasileiros em relação ao poder central, o poder
local tem participação decisiva na construção do patrimônio nacional. Sem falar
na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos
–onde as ONGS tem significativa participação nas atividades de preservação; ou
no Canadá onde, desde 1951, a Comissão dos Lugares e Monumentos Históricos do
Canadá possui representantes de TODAS as províncias e territórios.
No Brasil essa questão continua em aberto e pouco se
avançou na discussão.
(186 - 187)
5.1.2 Justificativas, pareceres e impugnações
Sempre que os pedidos eram feitos por particulares
era possível perceber o interesse imediato (impedir uma demolição, desejo de
dar determinado uso ao imóvel, como museu, casa de cultura, etc; meio de
conseguir verba para restauração; mero desejo de garantir a preservação do bem
por seu valor afetivo para a comunidade local, etc.) que refletia a afirmação
do valor cultural enquanto patrimônio nacional. Como essa justificativa
consiste, basicamente, na afirmação de valor histórico, da excepcionalidade do
bem ou de sua importância em termos nacionais, observou-se que os proponentes
dominavam de certa forma o conhecimento do código
da Sphan, pois era possível detectar na justificativa a linguagem do discurso
oficial.
Tais justificativas
incorporavam argumentos em favor do potencial turístico do bem, seu
valor afetivo para a comunidade, a falta de órgão local de preservação, etc.
Os pareceres técnicos avaliaram essas justificativas
em termos do interesse, do ponto de vista da instituição, em preservar aquele
bem e, quando era o caso, discutiam os termos das impugnações aos tombamentos.
As impugnações, em sua maioria, foram derrotadas no
Conselho Consultivo.
(188)
5.2 OS PRINCIPAIS
PROBLEMAS
5.2.1 As concepções de valor
histórico e de valor artístico
As escolhas sobre
o que tombar, até na década de 70 levavam em consideração muito mais a arquitetura
(valor artístico) do que o contexto histórico na qual o bem estava inserido.
Havia
controvérsias entre os arquitetos sobre o que tombar ou não.
Somente, em 1980,
depois do devido distanciamento daquelas discussões, é que as concepções mais
recentes da nova historiografia começaram a ser incorporadas à prática de
tombamentos do Sphan, MAS ERAM REITERADAMENTE CONTESTADAS nas impugnações.
Ainda persiste o
dilema ante fachadas modestas (estética) X palco de eventos notáveis
(históricos); problema que assumiu uma dimensão não apenas conceitual como
também política.
5.2.2 As concepções de valor
excepcional e de valor nacional
Valor excepcional
= originalidade – atualmente, já deixou de ser determinante
Valor nacional-
depois que passou a haver tombamentos estaduais e municipais, torna-se cada vez
mais dificultoso atribuir o valor nacional aos bens na medida em que passam a
se tornar viáveis os tombamentos municipais e estaduais. Muito embora O TOMBAMENTO NACIONAL CONTINUA SENDO
CONSIDERADO O DE MAIOR PRESTÍGIO E O QUE ASSEGURA, EFETIVAMENTE A PROTEÇÃO DO
BEM.
(198)
5.2.3 Os conceitos de centro
histórico e de entorno
O valor de
excepcionalidade (estética) não é mais tão importante e, sim, as vivências
históricas.
O enfoque é
multidisciplinar para o que concorrem a história, a geografia, a geologia, a
antropologia, etc.
EXAMPLO: O TOMBAMENTO DE LAGUNA E DE SÃO FRANCISCO DO SUL
Se bem que, na
verdade, essa linha de interpretação é muito recente na instituição e suas
consequências práticas, em temos de mudança na valoração de bens e nas condutas
visando à proteção –que deixam, agora, de ser tarefa exclusiva de arquitetos-
ainda não podem ser avaliadas.
ENTORNO dos
monumentos tombados: na legislação brasileira tudo é analisado caso a caso; ao
contrário, na França, onde o perímetro é fixado por lei em 500 metros.
A ideia de entorno
evoluiu da ideia inicial de preservar a visibilidade do bem para a de garantir
a manutenção de uma ambiência.
Também nesse caso
a abordagem exclusivamente arquitetônica é hoje insuficiente, sendo
imprescindível o recurso a outros especialistas.
A COMPREENSÃO DO
QUE SEJA O ENTORNO DE UM BEM TOMBADO É AINDA HOJE PONTO DE ATRITO NOS PROCESSOS
DE TOMBAMENTO e suscita protestos, especialmente quando se tomba um prédio no
entorno com o objetivo de colaborar na manutenção da ambiência de um conjunto
inteiro previamente tombado.
(200)
5.2.4 Sobre a legitimidade do
processo de atribuição de valor nos tombamentos
Os critérios para
inscrição nos LIVROS DO TOMBO é um problema que foi deixado em segundo plano
pelos técnicos da Sphan. O tipo de inscrição condiciona não só a leitura do
bem, como também o modo como será conservado.
Difícil de
entender, por exemplo, por que a CAIXA-D’ÁGUA de Pelotas (RS),cujo caráter
pioneiro é suportado por documentos, está inscrita apenas no LBA, enquanto o
Reservatório de Mocó (AM), mais recente, tem dupla inscrição ( LH/LBA ).
E o Prédio do MEC
e Parque Guinle (RJ) que foram inscritos, somente, no (LH)?
Essa inscrição fez
parte de uma estratégia a que recorreu o arquiteto Lúcio Costa (membro do
Sphan) para proteger sua obra, já tombada pela UNESCO, das descaracterizações
que a ameaçavam. Foi a forma encontrada para contornar objeções que eram feitas
por arquitetos locais do ponto de vista estético e urbanístico, movidas
possivelmente também pelo interesse em liberar a área para investimentos
imobiliários. ( A autora referencia que deve estes esclarecimentos aos
arquitetos Antônio Pedro Alcântara e Fernando Madeira).
Há toda uma série
de interesses por trás cada decisão sobre em qual livro um bem será inscrito.
5.3 A ATUAÇÃO DO CONSELHO
CONSULTIVO
Após várias
divergências de opinião entre os membros do FNpM e Sphan, o Ministro da Cultura
decidiu pela unificação do comando das duas instituições para eliminar a
divisão entre o “patrimônio arquitetônico” e o “patrimônio antropológico”.
A partir de 1992,
o número de membros do Conselho Consultivo aumentou de 10 para 13 e contempla
representantes IAB (Institudo dos Arquitetos), do (IBAMA) Instituto do Meio
Ambiente e do ICOMOS.
O Conselho Consultivo
passou a participar das decisões relativas aos tombamentos.
5.4 OBSERVAÇÕES FINAIS
Observa-se uma
pluralidade maior de tombamentos não mais restritos àqueles esteticamente
considerados interessantes.
Exemplo: o
tombamento de um bem inusitado, a
Fábrica de Vinho Tinto de Caju Tito Silva que se justifica, segundo José
Mindlin, relator do processo no Conselho
Consultivo pois
“Trata-se de uma inovação em matéria de
tombamento, pois visa à preservação de um processo industrial, e não de um
monumento histórico ou artístico”
Quanto ao número
de bens tombados, decresceu o número de bens de arquitetura religiosa e
militar; aumentando o número de conjuntos.
O que mais chama a
atenção, no entanto, é a diversificação dos bens de arquitetura civil. O de
bens naturais ainda é esporádico mesmo porque nesse período várias ONG’s já
atuavam em defesa e proteção do meio ambiente.
Nos anos 80
observa-se que aumentaram as inscrições no Livro Arqueológico, Etnográfico e
Paisagístico e no Livro Histórico foram um pouco mais numerosas do que no livro
de Belas Artes, porém, a diferença não é significativa.
Os tombamentos das
décadas de 70 e 80 representaram um
período de transição para o período iniciado em 90 .
A autora acredita
que os efeitos dessa transição podem abrir espaços para a participação de
outros atores, que poderão propor outras leituras e dar suporte às atividades e
proteção e poderão redundar numa efetiva ampliação da eficácia simbólica do
patrimônio e numa maior representatividade dos bens tombados relativamente à
pluralidade cultural brasileira.
6 - PRINCIPAIS RESULTADOS
Após leitura e análise do
capítulo, foi possível compreender que:
·
A proteção de bens de outros contextos que não o
da cultura luso-brasileira continua rara (pág. 208);
·
A proteção de bens que estão inseridos dentro de
uma dinâmica de uso popular (exemplo:
o do terreiro de candomblé) continua sendo problemática pelos critérios em
vigor (págs. 180 e 208);
·
Não ocorrem tombamentos de bens referentes às
etnias indígenas, o que leva a supor que o interesse desses grupos estivesse
voltado para outras frentes de atuação
política como ocorreu na Constituinte (págs. 208 e 209);
·
Se o patrimônio se abriu para novos tipos de
bens, a Sphan ainda não sabia exatamente como fazer para proteger esses bens.
(pág. 209)
·
Entre 1970-1980 , a análise dos pareceres
emitidos nos pedidos de solicitação de tombamento caracteriza esse período como
um momento de coexistência e, em certos momentos, de confronto, entre
orientações distintas, o que se expressou muito mais no nível das práticas que
do discurso. (pág. 209)
·
Tomado o período de 1970-1990 e considerando-se
a situação acima em termos de longo prazo, podemos supor que, na verdade, se
trate de um período de transição. (pág. 209)
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