Fichamento.
Aluna: Sandra Pereira. Disciplina: Memória e Identidade. Mestrado em Patrimônio
Custural e Sociedade, turma VI, Univille. Profas: Ilanil Coelho e
Raquel A. S. Venera.
Texto: CANCLINI, Nestor. Diferentes, desiguais e desconectados. UFRJ: Rio de Janeiro, 2005. Cap. 1.
O foco de seu trabalho é a pós-modernidade e a cultura a partir de
ponto de vista latino-americano. É considerado um dos maiores investigadores em
comunicação, cultura e sociologia da América
Latina.
Estudou Filosofia e concluiu o doutorado em 1975 na Universidade
Nacional da Prata. Três anos depois, concluiu o doutorado na Universidade de Paris.
Um de seus livros lançados no Brasil com o título Culturas
Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade abriu uma nova
linha para estudos culturais no continente.
Outro deles, Consumidores e Cidadãos(1995), propôs a
politização do consumo e rompeu a forma tradicional de analisar hábitos
televisivos.
É autor de estudos culturais interdisciplinares, ou seja, a
cultura ou as culturas, bem como as suas interações, convergências e choques.
Estudioso da globalização e das mudanças culturais na América
Latina, seu trabalho é marcado pela análise e as mesclas entre culturas,
etnias, referências midiáticas, populares e tradicionais.
Recebeu
o título de pesquisador emérito do Sistema Nacional de Pesquisadores do México.
Uma
de suas obras, Culturas Híbridas, recebeu o prêmio Book Award,
concedido pelo Latin American Studies Association, por ter sido considerado o
livro do ano em 2002 sobre a América Latina.
Alguns livros em
espanhol
·
Cultura y
Comunicación: entre lo global y lo local,
Ediciones de Periodismo y Comunicación.
·
Las industrias
culturales en la integración latinoamericana
Títulos traduzidos para o português
e lançados no Brasil
·
Diferentes,
desiguais e desconectados, 2005, Ed. UFRJ, Rio de Janeiro
·
A globalização
imaginada, (2003), Ed. Iluminuras, São Paulo
·
As Culturas
Populares no Capitalismo,(1983), Ed.
Brasiliense
Tema
As
narrativas mais recentes sobre “cultura” e identidade.
Problema
A inexistência de um conceito de cultura que dê
conta de abarcar todos os processos do mundo global corrente, que contenha em
si toda a multiplicidade identitária dos tempos pós-modernos e que seja representativo do pensamento de todas as
ciências.
Idéia principal
Uma possível definição
operacional, compartilhada por várias disciplinas ou por autores que pertencem a
diferentes disciplinas acerca do que seja “cultura”.
Estrutura
do texto
Introdução
ao Capítulo 1: introduz o capítulo 1 expondo
algumas das primeiras definições de “cultura”; comunica que é importante
compreender como se foi chegando, nas ciências sociais, a certo consenso em
torno de uma definição sociossemiótica da cultura e quais problemas colocam a
este consenso as condições multiculturais em que este objeto de estudo varia.
Em seguida, anuncia que irá se ocupar das redefinições operadas por jornalismo,
mercados e governos pois essas noções, por terem eficácia social, devem fazer
parte daquilo que é preciso investigar.
1ª
parte: de uma perspectiva antropológica e apoiado em diversos
teóricos, explana sobre as duas
principais narrativas existentes quanto ao que seja “cultura” e dos “labirintos
do sentido”, ou seja, da multiplicidade de ideias daí advindas.
2ª
parte: discorre sobre as
quatro vertentes contemporâneas que destacam diversos aspectos da perspectiva
processual, a qual considera, ao mesmo tempo o sociomaterial e o significante
da cultura. Não são paradigmas. São formas com as quais se narra o que acontece
com a cultura na sociedade -o que implica em estar diante de conflitos nos
modos de conhecer a vida social.
3ª
parte: O autor propõe pensar a cultura não como substantivo, mas
sim como o adjetivo cultural. Já que não faz mais sentido imaginar a cultura
como um bem, propriedade de uma nação, faz sentido imaginar a cultura como,
justamente, a qualidade desse sistema de significações próprios de um povo. E
com esta visão, valoriza-se justamente a relação intercultural, como as
diferenças de dois
ambientes diferentes dialogam
entre si, entre
outras palavras, a interculturalidade.
Autores
com os quais dialoga:
LASKY,
Melvin J.
|
Canclini
faz crítica à Lasky (pág. 29 e 30) pois o último fala do “zumbido
ensurdecedor” produzido pela proliferação
dos significados acerca do termo “cultura”. Lasky responsabiliza os marxistas
(por terem começado a falar de “cultura capital”) e os antropólogos por terem
utilizado a palavra a partir do próprio título do livro de Sir. Edward Tylor
“Culturas Primitivas”. Lasky dizia que “Por definição, a cultura não poderia
ser primitiva” (2003, p. 369)
|
Filósofos alemães: Herbert Spencer,Wilhelm
Windelband, Heinrich Rickert (final séc XIX e início do séc XX).
|
Menciona,
apenas ilustrativamente, deles a primeira noção, mais óbvia, da
cultura como sendo o “acúmulo de conhecimentos e aptidões intelectuais e
estéticas” (pág. 31) e de Rickert, em
particular, a distinção que o mesmo fazia entre cultura e civilização.
Elegantemente faz coro “às muitas críticas que os estudiosos costumam fazer “a
esta distinção taxativa entre civilização e cultura”. (pág. 31)
|
BORDIEU,
Pierre.
|
Menciona
Bordieu que opõe cultura e sociedade (pág. 39)
|
BAUDRILLARD,
Jean.
|
Retoma
apenas ilustrativamente BAUDRILLARD e seus “quatro tipos de valor na
sociedade: uso, troca, signo e símbolo” (pag. 40)
|
HOBSBAWN,
|
Quando
CANCLINI menciona que as interações (das pessoas estrangeiras morando em
outro lugar) têm efeitos conceituais sobre as noções de cultura e identidade,
menciona HOBSBAWN como sendo o criador da ideia de identidade coletiva como
sendo “mais camisa do que pele” e já aproveita para ironizá-lo dizendo que é
preciso lembrar das inúmeras condutas racistas que ontologizavam na pele as
diferenças de identidade e diz que,
“seria útil completar a metáfora de Hobsbawn com um análise dos variados tamanhos
de camisa”. (pág. 45)
|
APPADURAI,
Arjun
|
Concorda com APPADURAI que
considera a cultura não como um substantivo, mas como adjetivo.
|
ORTNER
e
GEERTZ
|
Concorda com ORTNER (1999, p.7)
e GEERTZ que falam do “cultural” como o choque de significados nas
fronteiras...” (Pág. 48) ao invés de “cultura”.
|
GRIMSON, Alejandro
|
Concorda com GRIMSON que, na
leitura do conceito acima, sublinha que esta concepção do cultural como algo
que sucede em zonas de conflito situa-o como processo político: refere-se aos
“modos específicos pelos quais os atores se enfrentam, se aliam ou negociam”
(Grimson, 2003, p. 71) – PÀG. 48.
|
PRICE,
|
Concorda com PRICE quando este
argumenta sobre “arte primitiva” e diz que tal como “os africanos capturados
e deportados para países distantes na época do comércio de escravos”, os
objetos de “outras” sociedades foram “apreendidos, transformados em
mercadoria, esvaziados da sua significação social, recolocados em novos
contextos e reconceituados para responder a necessidades econômicas,
culturais, políticas e ideológicas dos membros das sociedades distantes.”
(ibid, p.22) = PÀG. 50.
|
Idéias principais.
Introdução ao Capítulo 1
Inicialmente cita que em 1952 dois antropólogos pesquisaram mais de 300 formas de definições; em 2001 outro antropólogo reuniu mais 57 usos distintos do termo cultura que pesquisou em jornais alemães, ingleses e estadunidenses. [35]
Inicialmente cita que em 1952 dois antropólogos pesquisaram mais de 300 formas de definições; em 2001 outro antropólogo reuniu mais 57 usos distintos do termo cultura que pesquisou em jornais alemães, ingleses e estadunidenses. [35]
Fala da tentativa de encontrar uma
definição para o termo “cultura” que traduza, por consenso, o pensamento de
todos os estudiosos.
1.
Labirintos do sentido.
O autor cita que não se deve
abandonar a aspiração acima, no entanto, “o relativismo epistemológico e o
pensamento pós-moderno debilitaram, por caminhos distintos, aquela preocupação
com a unicidade e a universalidade do conhecimento. A própria pluralidade de
culturas contribui para a diversidade de paradigmas científicos, ao condicionar
a produção do saber e apresentar objetos de conhecimento com configurações
muito variadas.” (pág. 36)
Diante de uma variedade de
disciplinas e definições de cultura, falando de uma perspectiva antropológica,
Canclini resolve adotar a postura de debruçar-se com atenção e “escutar” todos
os processos sociais. Assim sendo, ao invés de apresentar novos conceitos de
cultura, apresenta a principais “narrativas” quando se fala de cultura nos dias
hoje: (pág. 36)
a)
A noção cotidiana de cultura como
sendo o acúmulo de conhecimentos e aptidões intelectuais e estéticas. (pág. 37)
O autor sublinha que a definição
supra tem sustentação na filosofia idealista e supõe a distinção entre cultura
e civilização, elaboradas pelos filósofos alemães no final do século XIX e
início do século XX (Spencer, Windelband e Rickert).
Cita que entre as muitas criticas
que se podem fazer a esta distinção taxativa entre civilização e cultura, “uma
é que naturaliza a divisão entre o corporal e o mental, entre o material e o
espiritual, e, portanto, a divisão do trabalho entre as classes e os grupos
sociais que se dedicam a uma ou a outra dimensão.” (Pág. 37)
Afirma que essa narrativa, “naturaliza,
igualmente, um conjunto de conhecimentos e gostos que seriam os únicos que
valeria a pena difundir, formados numa história particular, a do Ocidente
moderno, concentrada na ára europeia ou euro-norte-americana. Não sendo, pois,
uma característica pertinente da cultura, no estado dos conhecimentos sobre a
integração de corpo e mente, nem de uso apropriado depois da desconstrução do
eurocentrismo operada pela antropologia.” (Pág. 37)
b)
Frente aos usos cotidianos acima,
vulgares ou idealistas de cultura, surge um conjunto de usos científicos, que
se caracterizaram por separar a cultura em oposição a outros referentes. Os
dois confrontos principais a que se submete o termo são natureza-cultura e sociedade-cultura.
(Pág 37)
Dois
requisitos a considerar para se construir uma noção cientificamente aceitável
de “cultura” (antes de comentar-se os dois confrontos acima):
1)
Uma definição unívoca, que situe o
termo cultura num sitema teórico determinado e o liberte das conotações
equívocas da linguagem comum;
2)
Um protocolo de observação rigoroso,
que remeta ao conjunto de fatos, de processos sociais, nos quais o cultural
possa registrar-se de modo sistemático.
A oposição cultura-natureza:
durante um tempo acreditou-se que essa oposição permitia fazer essa delimitação.
Parecia que, deste modo, se diferenciava
a cultura, aquilo criado pelo homem e por todos os homens, do simplesmente
dado, do “natural” que existe no mundo. No entanto, esse campo de aplicação da
cultura por oposição à natureza, mesmo depois de muitas pesquisas, não parece
claramente especificado. Não se sabe por que ou de que modo a cultura pode
abarcar todas as instâncias de uma formação social, ou seja, os modelos e
organizações econômica, as formas de exercer o poder, as práticas religiosas,
artísticas e outras. (Pág. 38)
A oposição cultura e
sociedade: a sociedade é concebida como o conjunto de estruturas mais ou
menos objetivas que organizam a distribuição dos meios de produção e do poder
entre os indivíduos dos grupos sociais, e que determinam as práticas sociais,
econômicas e políticas. No entanto essa oposição deixava de considerar uma
série de atos que nada tem haver com poder ou economia, tais como: Porque
homens e mulheres pintam a peoe, das sociedades mais arcaixas até a atualidade?
Porque as pessoas enfeitam o corpo dependurando coisas nele?
É preciso considerar que o desenvolvimento do consumo
evidenciou esses “resíduos” ou “excedentes” na vida social. Tanto assim é que,
Jean Baudrillard, explica melhor esta oposição em sua Crítica
da economia política do signo (Canclini, p.40) ao estabelecer quatro
tipos de valor na sociedade. Exemplo: O que é uma geladeira? Para que
serve uma geladeira?
a. Valor de uso: uma geladeira é um
aparelho doméstico, serve para manter temperatura de alimentos, remédios ou
qualquer outro objeto;
b. Valor de troca: a geladeira é uma
mercadoria, que demorou um certo tempo e recursos para ser produzida, e vale
algo em dinheiro;
c. Baudrillard e o "valor signo": geladeira é um conjunto de conotações, de implicações
simbólicas. É "nacional" ou não, de marca etc;
d. Baudrillard e o "valor símbolo": geladeira da minha vó, por ser da minha vó, não pode ser
trocada. "Não tem preço", diz o comercial de tv.
Esta classificação permite diferenciar o socioeconômico do
cultural. Os dois primeiros tipos de valor têm a ver, principalmente, mas não
unicamente, com a materialidade do objeto,
com a base material da vida social; os dois últimos tipos de valore referem-se
à cultura, aos processos de significação.
(Pág. 41)
Pierre Bourdieu, desenvolveu esta
diferença entre cultura e sociedade ao mostrar que a mesma se assenta
em dois tipos de relações: as de força (usos e trocas) e, dentro delas,
entrelaçadas com estas relações de forças, há relações de sentidos, que organizam a vida social, as relações de
significação. O mundo das significações,
do sentido constitui a cultura.
Finalmente, chega-se assim, a uma
possível definição operacional, compartilhada por várias disciplinas ou por
autores que pertencem a diferente disciplinas Pode-se
afirmar que a cultura abarca o conjunto
dos processos sociais de significação ou, de um modo mais complexo, a
cultura abarca o conjunto de processos
sociais de produção, circulação e consumo da significação na vida social.
2. Identidade:
camisa e pele
Portanto, ao conceituar cultura
destemodo equivale a dizer que ela apresenta-se como processos sociais, e parte da dificuldade de falar dela deriva do
fato de que se produz, circula e se consome na história social. Não é algo que
apareça sempre da mesma maneira. Daí a importância dos estudos sobre recepção e
apropriação de bens e mensagens nas sociedades contemporâneas. Mostram como um
mesmo objeto pode transformar-se através
de usos e reapropriações sociais. E também como, ao nos relacionarmos uns com
os outros, aprendemos a ser interculturais. (Pág. 42)
Exemplo:
o artesanato produzido pelos índios mexicanos que é comprado por setores
urbanos e, deslocado de sua função primeira, vai decorar as paredes (ser
ressignificado) de quem o comprou.
Ao prestar atenção nos deslocamentos
de função e significado dos objetos, no trânsito de uma cultura para outra,
chega-se à necessidade de contar com uma definição sociossemiótica da cultura,
que abarque o processo de produção, circulação e consumo de significações na
vida social.
Configuram essa perspectiva várias
tendências, vários modos de definir ou sublinhar aspectos particulares da
função social e do sentido que a cultura adquire dentro da sociedade.
Canclini passa a considerar quatro
vertentes contemporâneas que destacam diversos aspectos dessa perspectiva
processual, a qual considera, ao mesmo tempok o sociomaterial e o significante
da cultura.
1ª. Tendência: é a que vê a cultura como a instância em que cada
grupo organiza sua identidade;
2ª. Tendência: a cultura é vista como uma instância simbólica da produção e reprodução
da sociedade. Apoia-se na Teoria da Ideologia de Louis Althusser, quando
diz que a sociedade se reproduz através da ideologia e nos estudos de Pierre
Bourdieu sobre a cultura como espaço de
reprodução social e organização das diferenças.
3ª. Tendência: fala da cultura como uma instância de conformação do consenso e da
hegemonia, ou seja, de configuração da cultura política e também da
legitimidade.
4ª. Tendência: é a que fala da cultura como dramatização eufemizada dos conflitos
sociais como dramatização simbólica do que está nos acontecedo. Por isso
temos teatro, artes plásticas, cinema, canções e esporte.
3. Substantivo ou
Adjetivo ?
Uma interpretação
muito interessante e
válida pra o
entendimento consta em
pensar
a cultura não como substantivo, mas sim como o adjetivo cultural. Já que não
faz
mais
sentido imaginar a cultura como um bem propriedade de uma nação, faz sentido
imaginar
a cultura como justamente a qualidade desse sistema de significa ções próprios
de
um povo. E com esta visão, valoriza-se justamente a relação intercultural, como
as
diferenças de
dois ambientes diferentes
dialogam entre si,
entre outras palavras,
a
interculturalidade.
A
concepção de GarcÌa Canclini
com relação às identidades
culturais, vem, eminentemente, através
de sua concepção de hibridismo cultural
convertida em modelo
explicativo da identidades (ESCOSTEGUY, 2001 p.171). Esta
perspectiva faz parte de outras discussões
presentes na obra do autor,
entre elas a
discussão da possibilidade, ou não de
uma identidade cultural comum aos
povos da América
Latina. A partir
desta perspectiva, Garcia
Canclini, a partir de
“Diferentes, Desiguais e
Desconectados (2006), sua mais
recente obra, propicia a compreensão não
de uma identidade
cultural, mas de um
espaço sociocultural latinoamericano onde estão inseridas as
diversas identidades culturais.